SED TANTUM DIC VERBUM...

...ET SANABITUR ANIMA MEA.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Os Barões Assinalados

Diário,

Em Bananalândia, como você bem sabe, os portugueses ancestrais não são muito valorizados. Descender de escravos ou de índios é sempre motivo de orgulho - e parece que dá um certo cachet ter, como dizia com alguma deselegância o pedantíssimo Fernandenrique,"um pezinho na cozinha". Mas os barões assinalados da Lusitânia e a marujada que com eles enfrentou os mares muito além da Taprobana não estão com essa bola toda, não: e são olhados com desprezo, como se houvessem "tomado dos índios" um Brasil que não existia, e que evidentemente não era uma pátria. Espantoso, mas é assim - e os corajosíssimos avós barbudos que entre gente remota edificaram Novo Reino que tanto sublimaram, e que fazendo uso de mais do que prometia a força humana desbravaram a Terra Brasilis e aqui se estabeleceram, criando essa pátria antes inexistente - são hoje mais ou menos execrados por seus netos, que os renegam, como se deles não viessem.

Não mereciam vir, mesmo, na minha opinião.
Tenho uma vasta coleção de "Histórias de Portugal", por diversos autores - e de vez em quando pego um volume ao acaso, para que não me saia da memória a história desses queridos ancestrais - e ontem aconteceu de me deparar com a transcrição da carta de João de Castro à câmara de Goa, escrita pelos meados do século XVI, e que é um exemplo de honra pessoal tão fundamente inspirado que resolvi registrá-lo aqui. O episódio é o seguinte: D. João de Castro, ao ver desmantelada a fortaleza de Diu pelo inimigo mouro, e na pressa de reformá-la por receio de outro ataque, precisou recorrer à câmara de Goa, para pedir emprestados vinte mil pardaus - dinheiro que ele mesmo não possuía. Não tendo outro penhor a oferecer pelo empréstimo, ofereceu suas próprias barbas: era um tempo em que a mencionada honra pessoal fazia valerem as barbas dos honrados.

Eis um trecho da carta:

"Eu mandei desenterrar Dom Fernando meu filho, que os mouros mataram nesta fortaleza, pelejando por serviço de Deus, e de El-Rey, nosso senhor, para vos mandar empenhar seus ossos; mas acharam-no de tal maneira, que não foi licito ainda agora de o tirar da terra, polo que não ficou outro penhor, salvo as minhas próprias barbas que vos aqui mando por Diogo Rodrigues de Azevedo; porque como já deveis ter sabido, eu não possuo ouro, nem prata, nem móvel, nem cousa alguma de raiz, por onde vos possa segurar vossas fazendas, mas somente uma verdade seca e breve, que me Nosso Senhor deu."

É realmente desconsolador olhar à minha volta e ver os bandos de oranguinhos naniquinhos e imoraizinhos a saltitar pelo mundo onde viveram esses gigantes - e a tornar mais e mais esse mundo indigno de memórias tão nobres. Fica a minha homenagem, pelo valor que tenha, certamente pequeno diante de tão valoroso feito.

Me alegra poder contar a você que a câmara de Goa enviou a quantia pedida, com uma honrosa carta, e juntamente devolveu o ilustre penhor.

Sua lusitana,
Rainha

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