19 de janeiro de 2010
Diário,
Não sei se foi aquele terremoto haitiano, e a consequente mistura de sofrimento, caos, violência e brutalidade que ele provocou, e que remete a um tipo de barbárie vagamente inumana. Sendo que MAIS inumana ainda é a brigalhada de uma suposta "classe dirigente" que se ocupa em decidir quem vai mandar em quê, enquanto os velhinhos morrem um por um de fome e sede em cima de trapos numa praça abandonada entre ruínas, depois que foram embora as crianças que lhes roubaram os últimos bens - um pedaço de biscoito, um relógio que não funcionava, uma bengala partida e uma dentadura quebrada.
Me contam que o Haiti sempre foi "assim mesmo", tratado aos pontapés por quem passou por lá e por quem permaneceu por lá. Não deveria ser possível, mas parece que o impossível é, afinal de contas, possível: num mau sentido, mas é.
No Brasil talvez se viva e morra do mesmo jeito, sem reclamar dos roubos nem dos pontapés. Desconfio muito que sim, há algo em comum entre parte de nós e os velhinhos haitianos, e entre outra parte de nós e os ladrões do pedaço de biscoito e da dentadura quebrada. O Haiti é um fantasma dickenseniano, assombrando o começo do twenty-ten como uma ameaça futura: será isto o que nos espera a todos, a resistência silenciosa e curta dos velhinhos diante dos ladrões infanto-juvenis que lhes roubam por brutalidade as inúteis dentaduras e bengalas, enquanto os dirigentes discutem quem vai mandar no quê?
O redemoinho-rodamoinho começa a me parecer uma alternativa coerente.
Espero que amanhã faça sol, e a pata e a galinha resolvam voltar a botar ovos. Me disseram que isso TAMBÉM é "assim mesmo", e eu ACREDITO - mas de qualquer maneira o fato contribui para a sensação de que aconteceu "alguma coisa", e que de alguma forma hoje estamos pior do que ontem - e amanhã estaremos pior ainda que hoje.
Sua pessimista,
Rainha
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