Diário,
Depois de ler a Veja e o Globo em sua edição dominical, me veio à lembrança um programa de rádio da minha infância, no qual um personagem chamado "Asnésio" conversava com seu pai "Leôncio" e compunha redações muito interessantes - aliás, MINTO! Este era um personagem da televisão! O do rádio, se não me engano, era um "Burraldo"!
Ingênuos e excelentes tempos aqueles, em que os burros eram PERSONAGENS! Em que alguém CRIAVA burrices das quais a gente RIA, achando engraçadíssimo aquilo! Hoje, caro diário, não faria o MENOR SENTIDO fazer tal coisa: as burrices são tantas, tão estapafúrdias e tão REAIS que não há a menor lógica em esfurucar a cuca para compor um esquete; e nem ninguém acharia graça nenhuma, já que a burrice é precisamente o MODELO atual.
Leio aqui que há uma exposição no Rio - eu sempre xereto as exposições, claro - na qual um dos artistas apresenta a obra "O Hidrante", composta de um hidrante. A revista avisa, não sem uma certa dose de ironia, que o referido equipamento contra incêndios foi elevado à categoria de "obra-de-arte".Também leio que, em uma escola de Maceió, 30% dos alunos são viciados em crack e fumam maconha nas salas de aula. A diretora já foi ameaçada de morte e não quer mais ser diretora do referido antro, mas não há ninguém para substituí-la. O colunista e escritor Veríssimo defende o direito das mulheres de "controlar seus ventres"- o que me provoca a súbita e surrealista visão de milhões de mulheres fazendo uma passeata brandindo cartazes com "abaixo a diarréia!" - e assassinar seus filhos, se porventura houver algum por lá. Indevidamente, é claro. Expulsa o folgadinho e mata logo de uma vez, que é pra ele aprender a não se meter onde não é chamado. O mesmo orango completa o raciossímio (belo termo azevediano!) censurando os "religiosos" por não dispensarem aos assassinos hediondos o mesmo tratamento que dispensam aos inocentes indefesos, e - vilania máxima! - quererem para esses últimos a vida e para os outros a pena de morte - coisa que ele considera INCOMPREENSÍVEL. Também afirma que o casamento gay vai salvar a instituição do matrimonio, que está "falida e decadente", e pelo visto vai ganhar um saudável revival.
O suplemento dominical apresenta uma reportagem na qual uma juíza e um policial fazem a apologia da legalização das drogas. Não basta descriminalizar: o negócio, segundo ambos, é "legalizar a produção, o comércio e o consumo de todas as drogas". Segundo a juíza, "moralidade é algo individual" - como bunda, cada um tem a sua. E mais! A perspicaz oranga nota que, "por serem substâncias psico-ativas, são fáceis de serem demonizadas." Uau! É verdade, juíza, é verdade! Com que facilidade espantosa se demonizam substâncias psicoativas... Amazing. Vide os 30% dos alunos da escola da diretora ameaçada de morte: mór demonização, né não? Tadinhos.
Um leitor reclama de que não chamam Luifináfio de "presidente Lula", chamam só de "Lula". Ele considera essas pessoas preconceituosas e arrogantes. Bom, nessa eu não me enquadro, eu o chamo de "o bugre".
Paulo Coelho, naquele tom maluco-beleza que passou a ser a sua segunda natureza, nos avisa doutoralmente que nenhum caminho leva a lugar nenhum, e os desafios "não são bons nem ruins: apenas desafios". Isso, é claro, se você for um "guerreiro sagrado". Não consigo imaginar nada mais estúpido, idiota e imbecil do que querer vencer um desafio meramente porque se trata de um desafio. Gostaria de estender um fio de pendurar roupa entre duas janelas do décimo andar de edifícios confrontantes e dizer a ele - Ei, Paulo, encara e atravessa - ou vai "amarelar"?
A ÚNICA coisa que se salva do jornal e da revista é a carta de um leitor chamado Rodolpho que compara a aceitação de gays assumidos nas Forças Armadas a contratar um gago para desempenhar a função de telefonista.
Valeu, Rodolpho! Se não fosse pela sua carta, era perda total.
A VOZ do personagem defunto ecoa num rádio há muito tempo emudecido, a não ser por este remoto sinal dentro de mim - "O Braviu. O Bra-viu-é-um-pa-ís-de-ma-ca-cos-on-de-tu-do-é-mui-to-in-te-res-san-te".
Meu Deus, o que fizeram do meu país, a minha pátria amada?
Nem dá vontade de escrever mais nada. O jornal e a revista permanecem em cima da mesinha, como um testemunho do horror, do horror, do horror. Não há lixo para embrulhar, e me parece mais adequado, pelo menos como um ato simbólico, queimá-los na lareira, apesar do caloréu que nos assola. Coisa que eu farei em seguida.Em protesto pelas ações, pelas defesas, pelas reportagens, por tudo.
Sua DESOLADA,
Rainha
domingo, 7 de fevereiro de 2010
quinta-feira, 21 de janeiro de 2010
Vinte e sete bodes e ainda contando...
Diário,
O que é AQUILO? "EIXO ORIENTADOR"? "DIRETRIZ"?
Em minutos, chegaremos à sala 101. Retirem os sapatos na entrada e preencham as duas vias da ficha azul.. Quem tem alguma obturação de ouro, passe para o lado de cá. Próteses de titânio, atrás daquele senhor ali, que acabou de cair. A retirada é praticamente indolor. Eu disse "praticamente", senhora. Titânio é importante para a indústria nacional. A senhora está querendo se opor à geração de empregos para o proletariado? Ah, bom. Então silêncio! Estamos aqui para garantir os direitozumanos, exigência da sociedade depois de amplo debate. Como, que debate? Dirija-se àquela fila longa ali do canto, senhor. A dos desmemoriados. O senhor será examinado por nossos psicólogos, e terá a oportunidade de repetir o amplo debate palavra por palavra, e se acertar tudo poderemos reconsiderar, senhor. Nosso objetivo aqui é preservar o direito à memória e à verdade.
"ÓRGÃOS E ENTIDADES ENVOLVIDOS NAS ORGANIZAÇÕES PROGRAMÁTICAS"? "ELABORAR OS PLANOS DE AÇÃO"?
Os proprietários de imóveis com até cem metros quadrados dirijam-se ao guichê quatro. Mantenham os títulos de propriedade em mãos. Aquele em que está o dirigente com o boné com a sigla M, S, T, senhora. Se será devolvido? Somente depois da análise, senhora. Não sei lhe informar em quanto tempo, senhor. A análise é plural e transversal, demora um pouco. Imóveis acima de cem metros quadrados é ali naquela fila, guichê cinco, a do nosso dirigente com a camiseta com a imagem do Che. CHE, senhor. Aquele que também está ali no retrato na parede, exatamente. Contribuam para a agilização do processo de transferência de renda. Em ordem, senhora. Imóvel de duzentos metros quadrados é... dirija-se à outra sala ao lado, senhora. Aquela com o cartaz com uma foice e um martelo amarelos em fundo vermelho, não tem como errar.Deixe os sapatos na entrada. SAPATOS, senhora! Alguma obturação de ouro? Pinos? Próteses? Marca-passo? Stent? A retirada é praticamente indolor, senhora. Sim, é feita por nosso pessoal especializado, dos grupos sociais vulnerabilizados. Grupos sociais vul-ne-ra-bi-li-za-dos, senhora. Para reaproveitamento. A senhora já ficou com isso muito tempo, agora deve dar a vez a outro, senhora.
"GRAU DE UTILIZAÇÃO DA TERRA"? "TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS"?
Preencher o terceiro formulário em três vias, de cor verde. Não-homossexuais dirijam-se à sala 13, para triagem. Sapatos na entrada. Por aí não, senhor. Aí é a sala dos cidadãos dos complexos Brasil-1 e Brasil-2, somente é permitida a entrada de pessoas com crachá de indígena ou de etnias africanas. Com comprovante autenticado de perseguição étnica. Ah, o senhor tem o crachá... Mas vejo que está sem o comprovante de perseguido, senhor. Está sendo distribuído ali naquela mesa. Sim, é indispensável. Homossexuais é na sala ao lado, senhora. Senhor. Pode levar o menor, senhor. Senhora. Sim, inteiramente gratuita. Marque um x na ficha de opção sexual, senhor. Pode marcar pela criança também, claro. Ainda não decidiu? Nossa equipe de transexuais lhe dará a indicação então, senhor. Senhora. Para seu...sua...err...descendente também. Priorizamos a decisão individual por enquanto. O programa de alteração sexual coletiva ainda não está completamente implantado.
"CONSELHOS GESTORES DO FUNDO NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL"?
Profissionais de sexo, crachá à esquerda. Não, não há outra categoria, senhora: só profissionais de sexo e quebradoras de côco. Para as outras categorias não há necessidade de crachá. Fila ali perto da porta, retirar os sapatos na saída. Obturações de ouro, próteses, marca-passo, e stents ali ao lado. Sigam o nosso funcionário que leva a pessoa na maca.Não sei lhe informar, senhora. A senhora conhece a pessoa? Os parentes serão informados se for o caso, senhora. O procedimento é praticamente indolor. Não se pode impedir a escalada dos direitos do proletariado.
Sweet Lord Jesus.
E eu não cheguei nem na metade.
Sua enfurecida, embora ainda contida,
Rainha
O que é AQUILO? "EIXO ORIENTADOR"? "DIRETRIZ"?
Em minutos, chegaremos à sala 101. Retirem os sapatos na entrada e preencham as duas vias da ficha azul.. Quem tem alguma obturação de ouro, passe para o lado de cá. Próteses de titânio, atrás daquele senhor ali, que acabou de cair. A retirada é praticamente indolor. Eu disse "praticamente", senhora. Titânio é importante para a indústria nacional. A senhora está querendo se opor à geração de empregos para o proletariado? Ah, bom. Então silêncio! Estamos aqui para garantir os direitozumanos, exigência da sociedade depois de amplo debate. Como, que debate? Dirija-se àquela fila longa ali do canto, senhor. A dos desmemoriados. O senhor será examinado por nossos psicólogos, e terá a oportunidade de repetir o amplo debate palavra por palavra, e se acertar tudo poderemos reconsiderar, senhor. Nosso objetivo aqui é preservar o direito à memória e à verdade.
"ÓRGÃOS E ENTIDADES ENVOLVIDOS NAS ORGANIZAÇÕES PROGRAMÁTICAS"? "ELABORAR OS PLANOS DE AÇÃO"?
Os proprietários de imóveis com até cem metros quadrados dirijam-se ao guichê quatro. Mantenham os títulos de propriedade em mãos. Aquele em que está o dirigente com o boné com a sigla M, S, T, senhora. Se será devolvido? Somente depois da análise, senhora. Não sei lhe informar em quanto tempo, senhor. A análise é plural e transversal, demora um pouco. Imóveis acima de cem metros quadrados é ali naquela fila, guichê cinco, a do nosso dirigente com a camiseta com a imagem do Che. CHE, senhor. Aquele que também está ali no retrato na parede, exatamente. Contribuam para a agilização do processo de transferência de renda. Em ordem, senhora. Imóvel de duzentos metros quadrados é... dirija-se à outra sala ao lado, senhora. Aquela com o cartaz com uma foice e um martelo amarelos em fundo vermelho, não tem como errar.Deixe os sapatos na entrada. SAPATOS, senhora! Alguma obturação de ouro? Pinos? Próteses? Marca-passo? Stent? A retirada é praticamente indolor, senhora. Sim, é feita por nosso pessoal especializado, dos grupos sociais vulnerabilizados. Grupos sociais vul-ne-ra-bi-li-za-dos, senhora. Para reaproveitamento. A senhora já ficou com isso muito tempo, agora deve dar a vez a outro, senhora.
"GRAU DE UTILIZAÇÃO DA TERRA"? "TERRITÓRIOS QUILOMBOLAS"?
Preencher o terceiro formulário em três vias, de cor verde. Não-homossexuais dirijam-se à sala 13, para triagem. Sapatos na entrada. Por aí não, senhor. Aí é a sala dos cidadãos dos complexos Brasil-1 e Brasil-2, somente é permitida a entrada de pessoas com crachá de indígena ou de etnias africanas. Com comprovante autenticado de perseguição étnica. Ah, o senhor tem o crachá... Mas vejo que está sem o comprovante de perseguido, senhor. Está sendo distribuído ali naquela mesa. Sim, é indispensável. Homossexuais é na sala ao lado, senhora. Senhor. Pode levar o menor, senhor. Senhora. Sim, inteiramente gratuita. Marque um x na ficha de opção sexual, senhor. Pode marcar pela criança também, claro. Ainda não decidiu? Nossa equipe de transexuais lhe dará a indicação então, senhor. Senhora. Para seu...sua...err...descendente também. Priorizamos a decisão individual por enquanto. O programa de alteração sexual coletiva ainda não está completamente implantado.
"CONSELHOS GESTORES DO FUNDO NACIONAL DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL"?
Profissionais de sexo, crachá à esquerda. Não, não há outra categoria, senhora: só profissionais de sexo e quebradoras de côco. Para as outras categorias não há necessidade de crachá. Fila ali perto da porta, retirar os sapatos na saída. Obturações de ouro, próteses, marca-passo, e stents ali ao lado. Sigam o nosso funcionário que leva a pessoa na maca.Não sei lhe informar, senhora. A senhora conhece a pessoa? Os parentes serão informados se for o caso, senhora. O procedimento é praticamente indolor. Não se pode impedir a escalada dos direitos do proletariado.
Sweet Lord Jesus.
E eu não cheguei nem na metade.
Sua enfurecida, embora ainda contida,
Rainha
quarta-feira, 20 de janeiro de 2010
Link para a página da Carol e do Nando
Ajuda ao Haiti:
http://twv.convio.net/site/TR/TeamWorldVision/General?px=1033561&pg=personal&fr_id=1071
http://twv.convio.net/site/TR/TeamWorldVision/General?px=1033561&pg=personal&fr_id=1071
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Os Barões Assinalados
Diário,
Em Bananalândia, como você bem sabe, os portugueses ancestrais não são muito valorizados. Descender de escravos ou de índios é sempre motivo de orgulho - e parece que dá um certo cachet ter, como dizia com alguma deselegância o pedantíssimo Fernandenrique,"um pezinho na cozinha". Mas os barões assinalados da Lusitânia e a marujada que com eles enfrentou os mares muito além da Taprobana não estão com essa bola toda, não: e são olhados com desprezo, como se houvessem "tomado dos índios" um Brasil que não existia, e que evidentemente não era uma pátria. Espantoso, mas é assim - e os corajosíssimos avós barbudos que entre gente remota edificaram Novo Reino que tanto sublimaram, e que fazendo uso de mais do que prometia a força humana desbravaram a Terra Brasilis e aqui se estabeleceram, criando essa pátria antes inexistente - são hoje mais ou menos execrados por seus netos, que os renegam, como se deles não viessem.
Não mereciam vir, mesmo, na minha opinião.
Tenho uma vasta coleção de "Histórias de Portugal", por diversos autores - e de vez em quando pego um volume ao acaso, para que não me saia da memória a história desses queridos ancestrais - e ontem aconteceu de me deparar com a transcrição da carta de João de Castro à câmara de Goa, escrita pelos meados do século XVI, e que é um exemplo de honra pessoal tão fundamente inspirado que resolvi registrá-lo aqui. O episódio é o seguinte: D. João de Castro, ao ver desmantelada a fortaleza de Diu pelo inimigo mouro, e na pressa de reformá-la por receio de outro ataque, precisou recorrer à câmara de Goa, para pedir emprestados vinte mil pardaus - dinheiro que ele mesmo não possuía. Não tendo outro penhor a oferecer pelo empréstimo, ofereceu suas próprias barbas: era um tempo em que a mencionada honra pessoal fazia valerem as barbas dos honrados.
Eis um trecho da carta:
"Eu mandei desenterrar Dom Fernando meu filho, que os mouros mataram nesta fortaleza, pelejando por serviço de Deus, e de El-Rey, nosso senhor, para vos mandar empenhar seus ossos; mas acharam-no de tal maneira, que não foi licito ainda agora de o tirar da terra, polo que não ficou outro penhor, salvo as minhas próprias barbas que vos aqui mando por Diogo Rodrigues de Azevedo; porque como já deveis ter sabido, eu não possuo ouro, nem prata, nem móvel, nem cousa alguma de raiz, por onde vos possa segurar vossas fazendas, mas somente uma verdade seca e breve, que me Nosso Senhor deu."
É realmente desconsolador olhar à minha volta e ver os bandos de oranguinhos naniquinhos e imoraizinhos a saltitar pelo mundo onde viveram esses gigantes - e a tornar mais e mais esse mundo indigno de memórias tão nobres. Fica a minha homenagem, pelo valor que tenha, certamente pequeno diante de tão valoroso feito.
Me alegra poder contar a você que a câmara de Goa enviou a quantia pedida, com uma honrosa carta, e juntamente devolveu o ilustre penhor.
Tenho uma vasta coleção de "Histórias de Portugal", por diversos autores - e de vez em quando pego um volume ao acaso, para que não me saia da memória a história desses queridos ancestrais - e ontem aconteceu de me deparar com a transcrição da carta de João de Castro à câmara de Goa, escrita pelos meados do século XVI, e que é um exemplo de honra pessoal tão fundamente inspirado que resolvi registrá-lo aqui. O episódio é o seguinte: D. João de Castro, ao ver desmantelada a fortaleza de Diu pelo inimigo mouro, e na pressa de reformá-la por receio de outro ataque, precisou recorrer à câmara de Goa, para pedir emprestados vinte mil pardaus - dinheiro que ele mesmo não possuía. Não tendo outro penhor a oferecer pelo empréstimo, ofereceu suas próprias barbas: era um tempo em que a mencionada honra pessoal fazia valerem as barbas dos honrados.
Eis um trecho da carta:
"Eu mandei desenterrar Dom Fernando meu filho, que os mouros mataram nesta fortaleza, pelejando por serviço de Deus, e de El-Rey, nosso senhor, para vos mandar empenhar seus ossos; mas acharam-no de tal maneira, que não foi licito ainda agora de o tirar da terra, polo que não ficou outro penhor, salvo as minhas próprias barbas que vos aqui mando por Diogo Rodrigues de Azevedo; porque como já deveis ter sabido, eu não possuo ouro, nem prata, nem móvel, nem cousa alguma de raiz, por onde vos possa segurar vossas fazendas, mas somente uma verdade seca e breve, que me Nosso Senhor deu."
É realmente desconsolador olhar à minha volta e ver os bandos de oranguinhos naniquinhos e imoraizinhos a saltitar pelo mundo onde viveram esses gigantes - e a tornar mais e mais esse mundo indigno de memórias tão nobres. Fica a minha homenagem, pelo valor que tenha, certamente pequeno diante de tão valoroso feito.
Me alegra poder contar a você que a câmara de Goa enviou a quantia pedida, com uma honrosa carta, e juntamente devolveu o ilustre penhor.
Sua lusitana,
Rainha
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O começo do vinte-dez
19 de janeiro de 2010
Diário,
Não sei se foi aquele terremoto haitiano, e a consequente mistura de sofrimento, caos, violência e brutalidade que ele provocou, e que remete a um tipo de barbárie vagamente inumana. Sendo que MAIS inumana ainda é a brigalhada de uma suposta "classe dirigente" que se ocupa em decidir quem vai mandar em quê, enquanto os velhinhos morrem um por um de fome e sede em cima de trapos numa praça abandonada entre ruínas, depois que foram embora as crianças que lhes roubaram os últimos bens - um pedaço de biscoito, um relógio que não funcionava, uma bengala partida e uma dentadura quebrada.
Me contam que o Haiti sempre foi "assim mesmo", tratado aos pontapés por quem passou por lá e por quem permaneceu por lá. Não deveria ser possível, mas parece que o impossível é, afinal de contas, possível: num mau sentido, mas é.
No Brasil talvez se viva e morra do mesmo jeito, sem reclamar dos roubos nem dos pontapés. Desconfio muito que sim, há algo em comum entre parte de nós e os velhinhos haitianos, e entre outra parte de nós e os ladrões do pedaço de biscoito e da dentadura quebrada. O Haiti é um fantasma dickenseniano, assombrando o começo do twenty-ten como uma ameaça futura: será isto o que nos espera a todos, a resistência silenciosa e curta dos velhinhos diante dos ladrões infanto-juvenis que lhes roubam por brutalidade as inúteis dentaduras e bengalas, enquanto os dirigentes discutem quem vai mandar no quê?
O redemoinho-rodamoinho começa a me parecer uma alternativa coerente.
Espero que amanhã faça sol, e a pata e a galinha resolvam voltar a botar ovos. Me disseram que isso TAMBÉM é "assim mesmo", e eu ACREDITO - mas de qualquer maneira o fato contribui para a sensação de que aconteceu "alguma coisa", e que de alguma forma hoje estamos pior do que ontem - e amanhã estaremos pior ainda que hoje.
Sua pessimista,
Rainha
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