SED TANTUM DIC VERBUM...

...ET SANABITUR ANIMA MEA.

sábado, 6 de novembro de 2010

Madame Bardot

Diário,


O canal pago GNT exibiu ontem à noite um documentário sobre Brigitte Bardot, que já faz muito tempo é ativista política e conhecida lutadora contra as malvadezas e crueldades para com os animais que a humanidade reiteradamente comete. 


Eça de Queirós escreveu um conto sobre um eremita que, vivendo uma vida  de penitência, solidão e sacrifício, um belo dia fica sabendo que um seu companheiro  está  morrendo à míngua. Para ajudar este companheiro, o  eremita arranca de um leitãozinho que cruza seu caminho o suculento pernil, que leva ao amigo para que ele recupere as forças. Quando finalmente o santo homem morre, e vai ser julgado diante do Criador, num dos pratos da divina balança um anjo coloca seus bons atos, seus sacrifícios, seu isolamento na busca da comunicação com o Transcendente, suas orações e exortações. Toda a corte celeste se maravilha, vendo o prato do Bem Praticado pesar cada vez mais, levando o eremita na direção do Paraíso - e todos já comemoram o evento quando, num gesto final, o anjo coloca no outro prato da balança uma única coisa: um porquinho agonizando numa poça de sangue. Para horror de todos, AQUELE prato pesa MAIS do que o que contém todos os bons atos praticados, e o eremita se despenha  nas profundezas do inferno.


Entre as mocréias de cara alisada e cotovelos pendentes, Madame Bardot, com seu gauloise aceso, suas muletas, seu rugalhal, sua pequena imagem de la Sainte Vierge levada no bolso do casaco, se destaca como um monumento a uma dimensão humana que rarissimamente se vê, sobretudo entre suas contemporâneas de beleza e fama - que me dão a impressão de que se alguém apertá-las vão APITAR, como aqueles bichinhos de borracha feitos para bebês ou cachorrinhos - e que passam a vida na busca desatinada de parceiros cada vez mais jovens. 


Madame explica que por metade da vida teve que parecer bonita sempre, atraente sempre, gostosíssima sempre; e ainda por cima precisava lidar com uma confusão de maridos, e amantes, e namorados: e cansou! Com um senso de humor ao mesmo tempo irônico e alegre, ela comenta - "eu tinha que ser linda todos os dias, e hoje  sou feia todos os dias: estou recuperando o tempo perdido!" 


Pesquisando mais tarde na Internet, verifico que Madame Bardot é coerente e é corajosa, diz na cara de todo mundo verdades julgadas inconvenientes pelo "politicamente correto" - e que, por causa de seus candentes e honestos desaforos, Madame vem colecionando processos nas cortes francesas! Durante o programa, ela diz que sabe perfeitamente que há, neste mundo, grupos de pessoas como ela, e que esses grupos e essas pessoas não conhecem uns aos outros: e é desses que ela gosta, com eles simpatiza, sem precisar conhecê-los de perto.  


Que fique aqui então, diário, esta petite homage a Mme. Brigitte Bardot, por sua sinceridade e por sua aflição diante da insensibilidade e da crueldade dos homens para com a criação indefesa! MOI AUSSI me compadeço deles, moi aussi empatizo inteiramente com ela e sua completa falta de "papas na língua", seus olhos aflitos pela matança a pauladas dos bebês-foca, sua ira incontida diante dos homens que arrancam as unhas dos ursos para fazer com elas um remédio que os chineses acreditam ser eficaz contra a impotência!  "MERDE, allors", diz Brigitte - e digo eu! Que se danem os chineses  e  sua impotência! 


E deixo ainda este bilhetinho a Madame Bardot:


Chère amie, um grande poeta brasileiro chamado Manuel Bandeira escreveu um lindo poema no qual São Pedro, diante da boa  Irene que lhe pede licença para entrar no céu, responde com alegre simplicidade: "Entra, Irene! Você não precisa pedir licença..."   -  


Pegando carona na bela poesia deste formidável poeta, eu lhe afirmo que  o guardião do Grande Portal  também receberá você com a mesma alegria, saudando:  "Soyez la bienvenue, Madame!"


Sua  solidária, mas não solitária,


Rainha



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